‘O
álcool não consola, não preenche os vazios psicológicos, mas supre a
ausência de Deus. Não compensa o homem. Pelo contrário, anima a sua
loucura, transporta-o a regiões supremas onde é mestre do seu próprio
destino.’ Marguerite Duras.
A
modernidade revela-nos um homem adicto, pois o exercício que impera é o
exercício do ‘ter’, excluindo qualquer condição que venha apontar para
uma falta ou para vazios.
A falta é constitutiva na existência humana, pois se cria a partir de um não preenchimento, de uma não completude. Poderíamos nos perguntar, o que nos falta? Pois, o que nos falta é exatamente deixar acontecer esta ‘falta’, esta articulação com a impossibilidade.
O sentido de uma felicidade ao dispor de cada um, impera e o homem hipermoderno, 'hipertecnológico' está preenchido por pílulas, aplicativos, etc. Uma conectividade total com a ideia de que existe uma felicidade disponível a um certo preço.
Nas diversas formas atuais de ‘brindar’, de ‘tragar’ esta felicidade vai se configurando uma
saideira que não termina, um copo que não esvazia ... ‘ter’ é um verbo
que move o sujeito para o consumo, para uma adição constante.
Onde situa a angustia que Freud assinalou tão precisamente enquanto sinal de algo¿
Objetos
tamponam qualquer falta que possa se manifestar, transbordam nos corpos
de várias formas, 'adictos' passa a ser uma forma de nomear a modernidade.
Contudo, uma perspectiva
diferente pode se estabelecer diante de um discurso que permita
localizar este excesso e articular o sofrimento humano com a
possibilidade de uma resposta a este mal estar, a psicanálise permite
esta possibilidade.
A psicanálise nos permite uma leitura sobre a maneira que este sofrimento acontece a fim de estabelecer um lugar, ou apontar um gozo localizado.Pois, neste excesso devastador do dia a dia, encontramos uma onipotência de gozo por todos os lados.
O alcoolismo ainda segue como um grande mal estar, através dos tempos, o homem busca no álcool esse preenchimento de uma ideia divina que possa ser suprida e alivie a
dor de viver, como disse Duras, animando cada vez mais o estado de
loucura, onde a falta da falta consolida com um mesmo copo
‘repetidamente” tomado, entornado podemos dizer, a fazer entorno deste
vazio que não pode aparecer.
Muitas
referências temos a este entorno sobre o vazio pelo álcool, desde a
forma mais poética como dizia o poeta Vinícius de Moraes, “O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado’; até o simples silêncio que parece traduzir uma conformidade, que ‘é assim mesmo, todos os dias...’ dizer comum, conformado e repetido pelos familiares de adictos.
Para Gilles Deleuze o álcool o colocou em confronto com suas construções filosóficas ou melhor dito por ele mesmo, o
tirava do trabalho. Disse Deleuze: ‘quando se bebe quer se chegar ao
último copo. Beber é, literalmente, fazer tudo para chegar ao último
copo. É isso que interessa “o último copo quer dizer o seguinte... há uma avaliação, o que pode aguentar sem desabar...’ (G. Deleuze).
Este vazio preenchido se torna mortífero, o sujeito se conduz sempre pelo penúltimo copo, que Deleuze diz ser a meta do alcoólatra. Beber sempre o mesmo copo e alcançar o penúltimo copo é buscar ainda a certeza de que não estará desabando, já que oúltimo copo é a morte.
Duras afirma que o álcool passa a estar exatamente onde o sofrimento não pode se fazer sofrer. Este estado de anestesia é um não poder acordar, ou um não despertar de um sono sem sonhos. É por esta via que segue M. Bassols quando trabalha um artigo sobre toxicomania e da
perda da consciência. Desde esta perspectiva, o sujeito dorme num sono
que o deixa anestesiado diante dos efeitos das drogas e também há um estado de anestesia sobre os efeitos da linguagem. Instaura-se um des-encontro com o real e este estado anestesiante parece manter o sujeito desconectado da vida.
Duras e Deleuze acabam por dizer que o álcool é um obstáculo à vida, mas tambémuma forma de suportar a vida. Duras enfatiza que ‘viver com o álcool é viver com a morte ao alcance de suas mãos. Entre morrer e viver surge a necessidade de anestesiar a dor de existir, frente o insuportável, o sujeito busca naquilo que o consome ou que o mantém sem sonho, um sono infinito e perturbador.
O que fazer com este insuportável que invade o sujeito e o retira da possibilidade de encontrar novas diretrizes? A resposta está em criar condições de reinventar saídas.Não
pela via da saturação, mas pela ‘falta’, permitir que exista uma falta.
E isto nos leva a uma outra consequência, a de impedir que exista algo
que venha suprir Deus.
Pois
o fato de abrir questões sobre Deus e ao mesmo tempo querer saber sobre
este insuportável da vida, é operar com a fala reinventando a saída
necessária como antídoto capaz de despertar o sujeito.
Bibliografia
BASSOLS,Miquel – Adicciones; um dormir sin sueno. P 16
Revista Pharmakon 12- Chiflad uras adictivas, grama edicione s.
DELEUZE, Gilles http://www.youtube.com/ watch?v=pEPFtNPIBfs entrevista-
El Abecedario de Gilles Deleuze. B de Bebida
DURAS, Marguerite frases célebres de Marguerite Duras na internet.
FREDA,Hugo – Entre la satisfaccion y el goc e: la droga. P94
Revista Pharmakon 11 El lazo intoxicado grama ediciones.
MILLER,J.Alain – La angustia lacaniana, ed Paidós 2013.
MORAES,Vinícius frases célebres de Vinícius de Moraes na internet.
SALAMONE, Luis Dario –Marguerite Duras:donde el sufrimiento no puede hacer
Sufrir, p 120 Revista Enlace n14.
Denise Nogueira Abreu.
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